Gisele Bündchen veste 46

A GULA #3

DESSA VEZ, foram somente trinta minutos. Uma escova dental, um banheiro e mil pensamentos desordenados, juntos, são um instrumento de alto poder lesivo, quando em mãos corretas.
Júlia sempre fora uma criança afável e de fácil manuseio. Nossa, ela é uma boneca!, exclamava uma. Patrícia ela puxou para você: tem um talento nato para as passarelas. Vede como é graciosa no andar!, suspirava outra. Ainda bem que só herdou os genes da mãe, ria-se o pai, orgulhoso. E, sempre bem regada aos exclamos e suspiros, crescera a pequenina Gisele.
Modelo gorda (Poemas Avulsos)- Filha, não esqueça do ensaio hoje, às 13h!
Como era gratificante para a mãe ver a filha seguindo seus passos. Em vaidade típica da profissão, via-se em cada flash; regozijava-se, rememorando o início de sua carreira.
 - Certo, mãe, gritava Júlia, de outro cômodo.
 Aquela vida de passarelas não a agradava muito. A empolgação de Patrícia era-lhe torturante. Por mais que assim quisesse, não podia sobrepujar os sonhos da mãe, em prol de reles capricho seu.

Mais gostosa que nunca!

A GULA #2

Mulher gorda e feia (Poemas Avulsos)COMPLETARAM dez anos de casados na semana anterior. O tédio, há pelo menos três anos, instalara-se na relação conjugal. Do contrato matrimonial, originaram-se três filhos, dois amantes e muitos, muitos débitos. Marcelo e Carmem eram os protagonistas do teatro que eles chamavam vida. A opinião dos vizinhos é sempre muito importante, leitor.
Carmem, em notória ousadia, desfilava pelo costumeiro pagode, com um short curtíssimo, uma tomara-que-caia apertadíssima e três camadas de pele. Era mestra nos superlativos. Com altivez de galo em chuva, exibia Leandro, que, para fins teatrais, era amigo de família.
Em mesa próxima, coincidência ou não, avistara Marcelo, intitulado pelos íntimos de São Jorge, ao lado de mais uma de suas feras. Aproximou-se e, antes de destilar seu veneno, Marcelo interpôs:

Venha, e me coma!

 A GULA #1

Obs.: Proibido acesso a menores de dezoito anos por conter alusão sexual.

AIDS (Poemas Avulsos)
 - DE BAIXA caloria, é? Henrique ria-se, enquanto atirava, pela janela do carro, uma ponta de cigarro. Deixe-me provar, então, para ver se o sabor é idêntico ao original!
Ao sair, entregou, satisfeito, os vinte reais da moçoila.
É tão bom te comer, sua gostosa!, pensava, enquanto transava com sua namorada. Somente pensava, claro. Afinal, namoradas e esposas são santas, destinadas exclusivamente ao sexo reprodutivo. Aventuras?, só com as demais, meu caro!

Sou eu quem paga essa p*!

A AVAREZA #3

 Obs.: Proibido acesso a menores de dezoito anos por conter palavras de baixo calão.
 
Mulher brigando (Poemas Avulsos)
- SOU EU quem paga essa porra!
De lugares e vidas tão distintos, ecoava esta frase, sempre muito bem acompanhada de gritos e insultos. Atribua isso aos arbítrios da Avareza: qualquer um pode ser proprietário de mãos bovinas, caro leitor.
De classe média alta, em seus catorze anos de compreensível rebeldia, Carlos monologava:
 - Não aguento mais minha mãe!, cerrava os punhos. Sou eu quem paga essa porra, imitava, em tom de escárnio, o timbre da genitora.
Manteve-se em silêncio por alguns segundos.
 - Quando eu for maior de idade, tudo será diferente, iludia-se. Passados quatro anos, tudo se manteve em idêntico estado, quiçá pior.
E por que a mãe de Carlos insistia nessa avareza, já que era aquinhoada?, você deve estar se questionando. Porque ela viera de uma família pobre, ou melhor, paupérrima e erigira todo seu patrimônio por meio de cada gota de suor de exaustivas falcatruas. Não é tão fácil quanto parece apropriar-se do erário público e ainda manter ares de honesto, leitor. Isso mesmo: a mãe de Carlos é a típica representante da politicagem brasileira.

Não, eu NÃO te amo!

A AVAREZA #2

DEVO tê-la assustado, não, querida leitora? Você, tão acostumada aos pieguismos exacerbados de Crepúsculo, indubitavelmente, percorreu o título deste conto com um franzir de testa. Não se preocupe que, na rispidez de minhas palavras, manterei intacto seu mundo cor-de-rosa.
Eu não te amo (Poemas Avulsos)Felipe de Sá transladava os polegares, enquanto mantinha os demais dedos entrelaçados. Sempre repetia este movimento, em momentos de tensão; em uma tentativa, quase sempre frustrada, de aliviar a sobrecarga de seus ombros. Olhava para o lustre que pendia do teto, ornamentado com uma réplica de Da Vinci. Suas pernas, cruzadas, denunciavam pés acelerados e compulsivos.
 - Mas, Dr. Lúcio, isto tem cura mesmo?, era a quinta vez que perguntava, em um interstício de dez minutos.
 - Felipe, acalme-se. Você já ouviu falar que para todo problema há uma solução?, seu olhar clínico era estranhamente frio e reconfortante. Pegue, tome mais um pouco desta água, entregou-o o copo que antes repousava sobre o criado-mudo, ao lado.

Síndrome do jeitinho brasileiro

A AVAREZA #1

Joaquim Almeida Machado, 43 anos, divorciado, dois filhos, eletricista. Esta é a identidade basilar do protagonista de nosso conto de hoje, caro leitor. Superficial? Acalme-se, que, no percorrer destas linhas, detalharei o perfil do pitoresco.
Avareza (Poemas Avulsos)Joaquim é o típico homem médio, de estatura mediana, de opinião e dizeres consensuais, QI aceitável e portador da síndrome do jeitinho brasileiro. Sinto dizer que a Medicina não se atém às doenças fictícias, resultantes do ócio improdutivo da bizarrice literária. Resta-me, portanto, descrevê-la com meus próprios hieróglifos: a síndrome do jeitinho brasileiro acomete todos aqueles que, aqui nascidos, ou até naturalizados, possuem a missão divina de obrar milagres, e multiplicar os pães de um salário mínimo; reitero, mínimo. Os principais sintomas deste mal são: atração magnética pelo verbete liquidação; incríveis habilidades argumentativas em contratos de compra e venda; compulsão por objetos de baixo custo, ainda que supérfluos; uso involuntário e contínuo da frase “parcela em quantas vezes, senhor?”; e, principalmente, tudo é sempre muito caro (e o dinheiro sempre muito escasso, claro), para o portador desta síndrome.

Sapo à milanesa

A INVEJA #3

Sapo no caldeirão (Poemas Avulsos)Invejo o sol que aquece tuas curvas. Invejo o vento, bailando, em teus cabelos. Invejo a água que percorre teus lábios. Invejo o espelho, e a réplica de teus olhos, oblíquos e dissimulados. Invejo as vestes que protegem tua pele. Invejo, e como invejo!, os segundos que não mais retornam; em que a felicidade palpitava em meu sorriso, e transbordava em meus olhos. Não mais sei viver sem os contornos de tua silhueta e a maciez de tua gargalhada. Não, não mais. És única, ó minha amada!

(Segundos depois)

 - Fecha essa cortina, mulher! Não vês que o sol queima meu rosto e o vento resseca minha pele?

Bullying fail

A INVEJA #2
Tão incrível e sutil,
Teu doce jeito matreiro.
Te beijei, tudo sumiu.
Inclusive meu dinheiro.

Aviso-te, leitor, que qualquer semelhança entre o que aqui discorro e a sua realidade não são mera coincidência.
Flávio nunca fora um arquétipo de beleza física. Dentre inúmeras desarmonias (eram imensuráveis, sim, em sua cabeça), o excesso de peso e a escassez de estatura eram os alvos prediletos do escárnio alheio. A notoriedade de sua presença não era tão intensa quanto acreditava, no entanto; a timidez o tornava simplesmente neutro, quase imperceptível, diante dos olhares inquisidores.

D. Aurélia Camargo

A INVEJA #1
“O ciúmes não nasce do amor, e sim do orgulho. O que dói neste sentimento, creia-me, não é a privação do prazer que outrem goza, quando também nós podemos gozá-lo e mais. É unicamente o desgosto de ver o rival possuir um bem que nos pertence ou cobiçamos, ao qual nos julgamos com direito exclusivo, e em que não admitimos partilha. Há mais ardente ciúme do que o do avaro por seu ouro, do ministro por sua pasta, do ambicioso por sua glória? Pode-se ter ciúme de um amigo, como de um traste de estimação, ou de um animal favorito. Eu quando era criança tinha-o de minhas bonecas”. (Aurélia, em A Senhora, de José de Alencar).

Moulin Rouge

A LUXÚRIA #2

Obs.: Texto não recomendado para menores de 18 anos. O autor não se responsabiliza pela visualização indevida por menores de idade.

Manuela não conseguia extrair aqueles pensamentos de sua psique. A tão repulsiva vozinha ecoava insistentemente em sua cabeça: piranha, vagabunda, prostituta... Como pode uma mulher de 45 anos, respeitada professora, dois filhos, em seu segundo casamento, deleitar-se em tamanha promiscuidade? Apesar da conduta reiterada, ainda não se acostumara com a ideia da tal bissexualidade O tesão que sentia por moçoilas, quase sempre suas alunas, era arrebatador, instintivo, quase viciante. Agia como uma dependente química. Não podia se privar por muito tempo daquele alucinante odor vaginal. Caçava suas presas de forma quase primitiva, quase animal.

Quinque Luxuria (Introito)

A LUXÚRIA #1

 INTROITO

Caros leitores,

Inicia-se hoje, no blog Poemas Avulsos, a série “O Oitavo Pecado Capital”. A série abordará, sob um invés não-convencional, os sete pecados capitais clássicos (a Luxúria, a Ira, a Inveja, a Avareza, a Gula, a Preguiça e a Soberba). Para isso, serão publicados três textos, um em cada semana, para cada pecado, em um período aproximado de cinco meses. Ao final, será abordado o oitavo pecado capital, o pequeno elemento surpresa que intitula a série.
Sem mais delongas, iniciemos com a instigante Luxúria.

Erga omnes

ATO ÚNICO
Pintura de sexo (Poemas Avulsos)(QUARTO de hotel. Roupas espalhadas por todo o cômodo. Dois amantes, desnudos, abraçam-se em cama de casal. Lençóis brancos com leve odor de lavanda. Abajur como única fonte de luz.)
Amante 1:
(De olhos fechados, contemplava, minuciosamente, cada segundo daquele momento de prazer) O mundo poderia acabar neste exato momento que eu não me importaria. (A suavidade e sinceridade maleavam a tenacidade de sua voz)
Amante 2:
(Sorriso desenha-se em seu rosto. Sentia a endorfina invadindo cada milímetro de seu corpo) Eu também. (Suspiro) Por mim, passava o resto do dia assim, agarradinho com você.

Diga NÃO à união homoafetiva!

(Obs.: Se você não compreende o significado da figura de linguagem ironia, interrompa agora a leitura deste texto. Assim, você evita eventuais transtornos, tanto para mim quanto para você).

Homofobia (Poemas Avulsos)Lamentável. Este adjetivo bem define a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a favor da estabilidade da união homoafetiva. Por unanimidade, no início do corrente mês, os ministros do STF reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo.

Canibalismo e outras ninfomanias

Ninfomania (Poemas Avulsos)Pelos eriçados, respiração ofegante,
                           [obsessão doentia.
Tua pele, teu corpo, tua alma,
Derretendo-se em mais puro orgasmo.
Tuas mãos, tua boca, tuas curvas,
e todo meu corpo, revestido por constantes espasmos.
Contrariando leis físicas, nossos corpos, semelhantes, atraem-se.
E na pureza do pecado se entorpecem,
                                       [se misturam.

Tua saliva anestesiando meus sentidos,
teu suor purificando minha libido.
Unidos, em decúbito dorsal, nossos corpos, saboreando o proibido,
E todas as setes cores do pecado; céu e inferno lado a lado.

Vendem-se coelhinhos

Dinheiro Páscoa (Poemas Avulsos)Subida de Jesus ao Monte das Oliveiras, sua crucificação e ressurreição. Não fosse o querido Google, ser-me-ia alheio, até o presente momento, o significado da expressão Semana Santa. Páscoa? Google it! Uma festa cristã que celebra a ressurreição de Cristo. Hum, interessante, não?
Desde minha concepção, atribuíram-me, pelo menos em tese, o título de católico. Assim como a maioria dos brasileiros, respiro dogmas religiosos do início (batismo) ao fim de minha vida (extrema unção). Até no preâmbulo de nossa Carta Magna repousa a expressão sob a proteção de Deus! Ao menos os conceitos católicos mais básicos, deveriam me ser intrínsecos, portanto? Cof, cof.

Intolere-me

Sou homoafetivo. Descrimine-me. Afinal, Deus, como preceitua o livro Gênesis, esculpiu o homem para a mulher e vice-versa. Torture-me. Faça jus aos preceitos católicos que, no período medievo, autenticavam nossa enfermidade, ou melhor, nossa possessão demoníaca.
Sou afro-descendente. Escravize-me. A cor de minha pele advém da impureza de minha alma. Não, não, engana-se você quando afirma que fomos alforriados em 1888. A majestosa Isabel apenas corroborou uma tendência mundial, lançando-nos em um mundo de olhares tortuosos, que julga com base em invólucros.

Via Sedex

Corações partidos, 09 de abril de 2011.


Queridíssimo Amor,

Antes de desenrolar minha prosa, devo dizer que não me são intrínsecas as palavras romantizadas e fantasiosas. Digo isso porque o conheço tão bem a ponto de saber que vives a espera de devaneios linguísticos.

Do latim tripalium

Cargo não remunerado, vitalício, desprovido de quaisquer prerrogativas legais (FGTS, auxílio doença, licença maternidade, dentre outros); sujeito a elevadíssimo grau de estresse físico e psíquico; necessário desembolso de consideráveis e constantes valores monetários; sumariamente proibido repouso de qualquer natureza; condições de trabalho, em geral, insalubres, com presença constante de coliformes fecais e uréia; não há direito a rescisão contratual. Carga horária: 168 horas/semana, isto é, 24h por dia, 7 dias por semana. Interessados, favor procurar espermatozóide apto a fecundar óvulo. Para exercício de todas as faculdades inerentes ao cargo, deve-se aguardar 9 meses, contados a partir da data de fecundação.

Pega-pega

Quanto mais me esquivo do destino, mais ele se torna onipresente em minha rotina. Fugir do inevitável? Creio que não. Não me encaixo no estúpido perfil dos escritores do ultra-romantismo brasileiro. Somente me sinto impotente diante do entrelaçar do acaso. Moldam-se esculturas, tecem-se fios. Alguém me pergunta qual trançado usar? Qual agulha pegar? Não. Lógico que não. O destino simplesmente une as correias da vida com a imparcialidade e a frieza de... bem, não sei de quê.

Cores de um epitáfio

Tuas impecáveis curvas embebedam-se em minhas letras, sorriem por entre meus traços, percorrem meus afetuosos abraços. 
Como queria que teus olhos saltassem das órbitas desta moldura e me extrapolassem (me preenchessem, me invadissem) com toda aquela tua suavidade – que só tu sabes demonstrar.
Clamo para que tua boca encontre os atalhos de meu desejo; oro para que traga consigo o toque úmido do mais puro prazer.

Arco íris preto e branco

Túlio tinha lá seus vinte e tantos anos. Digamos que sua beleza não atendia aos padrões universais. Seus intensos olhos cinzentos davam-lhe um ar, hã, digamos, enigmático.
No alvorecer de sua adolescência – após alguns longos anos de intensas batalhas internas -, Túlio assumiu sua homossexualidade. Sua mãe, como se já soubesse desse fato (e, no fundo, realmente sabia), aceitou a notícia com um simples franzir de testa.

Caos Concreto

Natureza             Homem destrói                    Acabou-se
Naturaza             Corrói... ói, ói.                      Dissipou-se              a fartura.
(In) Natura           Que belezura!                     Enfumaçou-se

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