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intolerância
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prosa poética
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Intolere-me
Sou homoafetivo. Descrimine-me. Afinal, Deus, como preceitua o livro Gênesis, esculpiu o homem para a mulher e vice-versa. Torture-me. Faça jus aos preceitos católicos que, no período medievo, autenticavam nossa enfermidade, ou melhor, nossa possessão demoníaca.
Sou afro-descendente. Escravize-me. A cor de minha pele advém da impureza de minha alma. Não, não, engana-se você quando afirma que fomos alforriados em 1888. A majestosa Isabel apenas corroborou uma tendência mundial, lançando-nos em um mundo de olhares tortuosos, que julga com base em invólucros.
Sou mulher. Espanque-me. Sou frágil por natureza, certo? O mundo é dos homens e somente a eles pertence. Ocupamos cada vez mais o mercado de trabalho? Somos cada vez mais independentes? HAHAHA! Alguém já lhe disse que, mesmo ocupando cargos idênticos, recebemos vencimentos bem inferiores?
Sou deficiente físico. Exclua-me. Faça de minha limitação motivo para escárnio. Ocupe, de assalto, vagas de estacionamento de minha exclusividade. Não construa rampas nas calçadas, minha cadeira de rodas é capaz de voar. Não facilite meu acesso aos espaços públicos. Afinal, o que faço mesmo circulando entre normais?
Sou viciado em narcóticos e entorpecentes. Repreenda-me. Não culpe a gestão governamental por usar a força em vez do fomento a conscientização e a educação.
Sou obeso (lê-se palhaço). Pratique bullying comigo. Faça de minha vida um inferno. Desenvolva transtornos mentais em minha psiqué. Molde meu lado maléfico, para que, a posteriori, eu realize uma pequena chacina em meu antigo colégio.
Sou judeu. Sou evangélico. Sou adventista. Sou não-católico. Construa guerras embasadas na intolerância religiosa e, lógico, afirme que tudo isso é em nome de Deus, de um ente maior. Sua religião, claro, é sempre a mais correta, a detentora perpétua da verdade universal.
Sou super dotado, ou melhor, nerd. Sou baixo. Sou alto demais. Não possuo atributos físicos estimáveis. Sou gago. Sou... Bem, simplesmente não atendo aos seus anseios. Seja intolerante comigo, portanto. Dissemine esse adorável sentimento. Indubitavelmente, estamos no caminho certo. Dessa forma, com certeza, construiremos um mundo bem melhor.
5 comentários :
Gostei do texto objetivo e claro.
É polêmico, até certo ponto agressivo, mas a gente só para pra refletir quando alguém nos dá uma sacudidela bem forte.
Admiro sua coragem! rsss
Abraços!
Gostei! É um manifesto bem claro contra toda a hipocrisia no Brasil, contra os Bolsonaros da vida. Parabéns pelo texto!
Sou louco. E, concordo com os que me rotulam desta maneira. Afinal, não é louco, quem é comum. Portanto, condenem-me, crucifiquem-me, sufoquem-me, calem a minha voz. Me deixem de lado, sozinho, ou, por sorte, com os meus poucos amigos. Assim, eu desconfiarei que eu não faço parte do seu mundo.
Bela estratégia, boa construção!
The voice of the voiceless!
A voz dos sem-voz e sem vez!
Parabéns!
A Palavra é arma mais forte! Vamos usá-la para fazer diferença nesse mundo estranho!
Continue!
Agradeço os elogios e os comentários de todos! Muito obrigado! Abraços!
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