Não, eu NÃO te amo!

A AVAREZA #2

DEVO tê-la assustado, não, querida leitora? Você, tão acostumada aos pieguismos exacerbados de Crepúsculo, indubitavelmente, percorreu o título deste conto com um franzir de testa. Não se preocupe que, na rispidez de minhas palavras, manterei intacto seu mundo cor-de-rosa.
Eu não te amo (Poemas Avulsos)Felipe de Sá transladava os polegares, enquanto mantinha os demais dedos entrelaçados. Sempre repetia este movimento, em momentos de tensão; em uma tentativa, quase sempre frustrada, de aliviar a sobrecarga de seus ombros. Olhava para o lustre que pendia do teto, ornamentado com uma réplica de Da Vinci. Suas pernas, cruzadas, denunciavam pés acelerados e compulsivos.
 - Mas, Dr. Lúcio, isto tem cura mesmo?, era a quinta vez que perguntava, em um interstício de dez minutos.
 - Felipe, acalme-se. Você já ouviu falar que para todo problema há uma solução?, seu olhar clínico era estranhamente frio e reconfortante. Pegue, tome mais um pouco desta água, entregou-o o copo que antes repousava sobre o criado-mudo, ao lado.
Após dois ou três pigarreios, Felipe iniciou.
Carla, já aborrecida, tocou a campainha pela sétima vez.
 - Por que este infeliz não..., o trincar da porta a interrompeu. Uma silhueta, ainda sonolenta e desorientada, desenhou-se defronte.
 - O que você quer aqui essa hora, Carla?
 - Como assim essa hora, Felipe? Você está em que mundo? Nós marcamos de sair às 19h, lembra?, a cada interrogativa, elevava ainda mais a frequência da voz.
Carla teve somente um bocejo e um esfregar de olhos como resposta. A raiva transparecia em seu arfar ofegante.
 - Então, é isso?, uma lágrima escorreu. Você não me..., a porta quase atingiu seu rosto. E os gritos de ódio e humilhação lá ficaram.
Roberta era de uma atenção sufocante. Ligava, a cada duas horas, para saber notícias de seu amado.
 - Amor, como vai da gripe? Já melhorou?, o já costumeiro risinho de satisfação ecoou de seus lábios. Achava de grande sorte o destinatário de todos aqueles mimos.
 - Roberta, quantas vezes eu já lhe disse para você não ligar mais para o meu serviço?, cochichava consternado. Se meu chefe..., o tuuum do telefone finalizou precipitadamente a advertência; pelas persianas, viu que o chefe girava a maçaneta.
Naquele mesmo dia, de rotineira exaustão, Felipe sucumbiu diante de todos aqueles exageros. Sua paciência se esgotara. E simplesmente sumiu da vida de Roberta, sem dar notícias nem nada. Mudou números e endereço. Sabia que, se assim não procedesse, a sua obsessão não teria fim.
Tudo ia muitíssimo bem com Paula. Já estavam no segundo ano e o relacionamento ia às mil maravilhas. Bem até demais. Felipe acreditava sinceramente no amor que lho destinava. A recíproca, porém, não era verdadeira. Não conseguia sentir, ou melhor, não tinha a capacidade de retribuir, de forma isonômica, todo aquele sentimento.
 - Como posso não sentir nada?, questionava, sentado, com a cabeça enterrada entre as mãos, aquele homem de idênticas feições e gestos.
Someone like you, da cantora britânica Adele, trouxe-o de volta. Ela própria colocara aquele toque em seu celular. Dizia que era a música deles. Até nestes pequenos gestos ela é perfeita!, punia-se em silêncio.
 - Amor, está confirmado hoje a noite, não está?, a voz o sorria.
Alguns segundos de silêncio.
 - Amor? Você está aí?
 - Hã?, o timbre já conhecido interrompera esta outra distração. Havia algum tempo que sua cabeça andava longe, por cantos de difícil acesso.
 - O jantar, amor. Nosso jantar de hoje. Está confirmado?
 - Ah, amor, claro que sim!, um suspiro e um breve sorriso acompanharam a frase.
No meio da ceia, quando só se ouvia o tilintar dos talheres, Paula, meio tímida, repousou a mão direita sobre a esquerda de Felipe.
 - Amor, já estamos juntos há tanto tempo..., balbuciou. Você não acha que deveríamos pensar um pouco mais no nosso futuro e..., olhava para os lados como que procurando as palavras que lhe escapavam. Bem, eu quero me casar com você! Não aguento mais esperar seu pedido!, enrubesceu.
Atropelou com imenso anseio as palavras, provocando leve recuo de Felipe.
 - Que foi, amor?, franziu a testa, preocupada.
 - É que... é que..., de repente, fora acometido por uma gagueira incontrolável.
 - Diga, amor, afagava-o. Diga. Eu entendo perfeitamente se...
Era amabilíssima até nos momentos em que era contrariada! E isso, e isso... Como o incomodava!
 - Eu não estou preparado para isso!, as lágrimas encharcavam suas mãos.
- Ma-mas por quê?
 - Eu não te amo, Paula! Eu simplesmente não te amo!, gritava. Pelo menos não tanto quanto você merece!, levantou-se, impetuosamente, dirigindo-se à primeira saída visível, por detrás daquela cortina de confusões.
Coração partido (Poemas Avulsos)Como queria reproduzir, nestas linhas, com a exata intensidade que o momento exige, as aflições daquele instante, leitor! A imparcialidade das palavras, e a escassez de minhas lembranças, porém, limitam-me.
E, naquele momento, Felipe percebeu que a fonte de seus problemas era ele próprio. Era incapaz de amar alguém! Restringiu-se tanto, temendo o sofrer, que não mais conseguia ultrapassar aquele limiar, para o qual fora condicionado por toda a vida.
 - E, Dr. Lúcio, depois de transcorrido todos esses fatos, concluí que a única coisa que amo de verdade são os cavalos, o tom de sarcasmo denunciava a piada.
 - Os cavalos?, o psicólogo franziu o cenho, enquanto tomava algumas notas.
 - Explico: o significado de Felipe é aquele que ama cavalos.
E riu-se.



1) Sugestão de link
 # Tradução da belíssima música Someone like you, da cantora britânica Adele, aqui.

2) Sugestão de vídeo
 # Vídeo oficial da música Someone like you, da cantora britânica Adele.

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2 comentários :

Nossa,adorei o conto.
Está ficando melhor nas narrativas hein!
Daqui a pouco conseguirá escrever um romance(o livro grosso e de narrativa complexa). kkkkkkk
Parabéns!

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