Um pretenso livro - Capítulo V (Parte 1)

D. Luzilda, desde pequena, alimenta em si a ânsia de subir na vida. Não importava de que maneira, ela sempre buscava alcançar seus objetivos. A ganância sempre fora um componente de sua personalidade. Porém, o desejo de subir na vida não condizia com sua condição social. 
Filha de uma lavadeira com um carpinteiro, Luzilda sofria o preconceito de ser pobre e a dor de não possuir aquilo que suas coleguinhas tanto ostentavam.  Elas sempre passavam pelo barraco em que Luzilda morava só para esbanjar algum novo artefato ou brinquedo obtido. Isso tudo alimentava ainda mais a sua ganância, e pior: um profundo ódio e ressentimento. Luzilda sonhava com uma riqueza que fosse suficientemente grande. Mais para provocar inveja em todas aquelas patricinhas exibidas, do que para luxo próprio.
As coisas iam de mal a pior para os pais de Luzilda. Sua mãe já não encontrava tantas clientes. A frequência com que ia lavar as roupas no Rio Parnaíba estava caindo bastante. Seu pai também não conseguia mais tantos clientes como antes. Sustentar oito filhos era uma tarefa bastante árdua e dispendiosa. 
Parecia que tudo em Parnaíba estava parando. Que as pessoas iam devagar, que o mundo ia devagar e que, principalmente, o dinheiro circulava devagar. Tudo isso era reflexo da crise de 29. Não queriam saber o motivo, queriam apenas dinheiro suficiente para satisfazer sua fome. Decidiram, então, pegar um pau de arara e mudar-se para a capital. Teresina era a única esperança para aquela pobre família parnaibana.
Foi assim que Luzilda chegou a Teresina. Aqui ela pode ampliar seus horizontes e suas ambições. Quando adolescente, em seus 17 anos de idade, resolveu amigar-se logo com um homem de posses, pois sabia que se não o fizesse, morreria de fome. Isso porque seus pais já estavam velhos e não possuíam mais condições físicas para longas jornadas de trabalho. 
Luzilda mal sabia coser uma roupa ou fazer uma comida. Seus dotes como dona de casa eram ínfimos. A única sorte que tinha era a posse de um belo rosto e de um corpo esguio, características suficientes para fisgar o homem que quisesse. Pelo menos nesse ponto, o destino lhe fora favorável. 
Luzilda engravidou cedo. Bem, este destino já era mais do que esperado. O que um cara de 40 e poucos anos iria querer com uma adolescente de 17? Na época, os métodos contraceptivos não eram tão eficazes e difundidos. Isso somado com a ignorância de ambos, resultou em um fruto indesejado: uma criança, que Luzilda sequer fez questão de por um nome. Isso porque ela já sabia o destino que daria àquele indefeso ser: pagaria uma senhora qualquer para matá-lo. Mal a pobre criança havia nascido e Luzilda a entregou, sem nenhum remorso ou sofrimento, para a velhinha assassina. Luzilda não sabia, porém, que, no futuro, tal ato consumiria noites e mais noites de sua vida, levando-a a beira da loucura. Somado a isso estaria um incrível remorso por ter perdido a única oportunidade de ser mãe. Isso porque, como que por um castigo divino, Luiza tornou-se infértil, por ter enfrentado sérias complicações no momento do parto. Não que Luzilda quisesse por em prática seus dotes maternos – mal possuía habilidades femininas -, apenas queria ter uma guria, sangue de seu sangue, para ajudá-la na administração de seu “estabelecimento comercial”.
E, assim, Luzilda cresceu. Mal completou o Ensino Fundamental, por ter de ajudar desde cedo seus pais nas longas jornadas de trabalho. Quando não estava a queimar o casco de sua cabeça cortando os pés de cana, Luzilda estava a cuidar de seus sete irmãos: quatro homens e três mulheres. Era a mais velha de todos.  Isso dava a ela maiores responsabilidades, como também a culpa por tudo de errado que eles fizessem.
 Ao anoitecer, quando finalmente Luzilda teria seu tão merecido descanso, recebia assiduamente a visita do pai em seu quarto, que a violentava quase que diariamente, em seu comum estado ébrio. Escondia tal fato de tudo e de todos, pois temia a reação do pai e tinha vergonha do que as pessoas iriam pensar da “pobrezinha estuprada”.


Leia o capítulo V (parte 2), aqui.
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