Um pretenso livro - Capítulo II

Naquele ambiente, o prazer, o gozo e a sensualidade eram virtudes imprescindíveis. A satisfação sexual era o único objetivo. Apenas pessoas de posse podiam freqüentar o cabaré de D. Luzilda. Passar uma noite com uma de suas moças era tão caro quanto hospedar-se em um hotel de luxo. Dona Luzilda não queria saber dos gostos, das preferências, das dores e dos sentimentos de suas prostituas. Apenas preocupava-se em mantê-las sempre magras, bem vestidas e saudáveis o bastante para satisfazer as mais bizarras taras de seus clientes.
Mafalda havia entrado naquele ramo por falta de opção. Nunca teve pai ou mãe. D. Luzilda contava que seus pais a abandonaram na porta de sua casa. Mafalda não sabia se aquilo que a velha prostitua contava era verdadeiro. Duvidosas ou não, essa era uma das poucas informações que sabia sobre seus pais. Quando, em sua curiosidade juvenil, ia perguntar mais detalhes sobre a vida de seus pais, D. Luzilda, em sua comum ignorância, respondia:
- Menina, largue de ser curiosa! – E mandava a pobre criança servir seus clientes, fazer a faxina dos quartos ou a obrigava realizar qualquer outra atividade que a fizesse esquecer, pelo menos por alguns instantes, aquelas dúvidas tão irritantes. 
Luzilda preocupou-se apenas em manter Mafalda na escola até que ela aprendesse a ler e escrever para que não fosse enganada pelos marmanjos traiçoeiros que queriam utilizar-se de seus serviços sem pagar. Mafalda foi levando sua vida. Desde pequena, nunca surpreendeu-se com as orgias realizadas no cabaré, às vezes até dentro de seu quarto. O meio a moldou da forma que tinha que ser: uma linda e talentosa prostituta. Muitas a invejavam, pois sabiam que após a morte de Dona Luzilda ela herdaria o cabaré e todas as demais posses da velha prostituta. Porém, Mafalda nunca teve ânimo suficiente para tornar-se dona de um cabaré. Nada que dizia respeito aquele mundo despertava-lhe o interesse. Ia apenas fazendo seu trabalho como uma prostituta qualquer. A falta de estudos dera a Mafalda um enorme desinteresse pela sua saúde. Não queria saber se o seu cliente era portador de alguma DST, apenas queria satisfazê-lo e concluir logo seu serviço.
Nas terças e quintas, Mafalda ia vender seu corpo em seus pontos de prostituição. Cada prostituta tinha seu ponto e o protegia como um cão raivoso. Elas sabiam que o espaço de sua concorrente era inviolável e, por isso, nenhuma prostituta poderia fazer negócios em uma área que não fosse a sua. No cruzamento da Duarte Nogueira com a Firmino Castro, Mafalda esperava pela chegada de seus clientes. Ela tinha consciência que não havia nenhuma segurança naquele serviço. Não sabia se voltaria para casa segura. Qualquer desgraçado desses podia fazer o que quisesse com ela, pois, ao contratar seus serviços, seu corpo passava a  ser um objeto de posse de seu cliente. Mas o que podia fazer? Aquilo era a única coisa que sabia fazer. Já tenho 21. Estou ficando cansada desse serviço. Desde que me entendo como gente exerço essa profissão. Em breve, outras meninas novinhas tomarão meu lugar. O que farei depois? Mas herdarei o cabaré de Dona Luzilda, ela me garantiu isso. Mas não quero continuar com essa vida. Não quero passar o resto de meus dias sendo uma prostituta velha sem nenhuma serventia. Quero ter um filho. Quero constituir uma família. Por mais que duvidem disso, alcançarei todos os meus objetivos. 
E Mafalda mantinha-se perdida em pensamentos ilusórios por longas e incontáveis horas. No fundo, ela sabia que todos esses desejos não passavam de um capricho de sua parte. Porém, ela tinha a certeza que, se não se apegasse a estes pueris sentimentos, estava fadada a um ébrio e previsível estado de loucura.



Leia o capítulo III, aqui.
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