Em busca do Noel

O pequeno Pedro não suportava mais esperar pela chegada do velho Noel. Em seus inocentes cinco anos de idade, ansiava pelo presente que há muito desejava: um belo carrinho de controle remoto. Comportou-se o ano inteiro, esforçou-se para tirar boas notas na escola, evitou brigas com seu irmão adolescente (esta parte foi a mais desafiadora, sem dúvidas). Tudo por uma grande causa.
Em sua ânsia juvenil, resolveu sair de casa em busca do Papai Noel. Lembrou-se que viu, em um desenho animado qualquer, que Noel habitava as gélidas montanhas da Lapônia, Finlândia. Com uma pequena trouxa de roupas, saiu obstinado de que lograria êxito em sua missão. Dirigiu-se ao primeiro ponto de ônibus. Após duas longas horas de espera, em meio a um frio torturante, seu ônibus chegou. Em neon, as letras piscavam: E  PRE  SO   ÓLO  N  RTE. Após alguns segundos, conseguiu decifrar a mensagem, certificando-se de que aquele era o ônibus correto. Após 30 minutos de viagem, o murmurar doentio do ônibus foi quebrado por um estrondoso disparo: o motor havia quebrado. Triste, Pedro saiu do ônibus. Lembrou-se das inúmeras reclamações que já ouvira a respeito da precariedade do transporte público de seu país. 
Uma brilhante idéia revigorou seus ânimos: pegarei um avião.  Ao chegar ao aeroporto, viu o caos instaurado em sua frente: inúmeras pessoas dormiam desoladas no chão; algumas outras gesticulavam freneticamente enquanto discutiam com funcionários da empresa de aviação; crianças choravam. Um frenesi insuportável de pessoas instalava-se naquele recinto. Após seis horas de espera, espremido em um canto qualquer do chão, Pedro desistiu de pegar um transporte aéreo. Já vira muitas vezes na televisão várias reportagens a respeito do caos que estava o sistema aviário de seu país.
“Já sei! Pagarei um táxi! Dessa vez, com certeza tudo dará certo.” Ao conversar com o taxista, Pedro percebeu que o dinheiro que guardava em sua mochila era insuficiente. “O preço da gasolina está um absurdo, garoto. Sinto muito, mas por menos que isso não faço.” Desolado, Pedro seguiu seu rumo. A obstinação que sentira no começo de sua aventura já não era tão viva e ardente. Em sua memória, recordou-se de alguma reportagem sobre os poderosos cartéis que detinham o monopólio do preço do combustível. Não sabia bem o que aquilo significava, mas acreditava que possuía alguma ligação com o altíssimo preço da gasolina.  
Pedro, sem mais opções, resolveu seguir sua viagem a pé. Após longas semanas, finalmente chegou à terra da neve eterna. Mas, espera aí. Cadê a neve? Cadê o gelo? E principalmente: cadê a casa do Papai Noel? Aos prantos, Pedro dirigiu-se a um dos moradores da Lapônia para que ele pudesse esclarecer toda aquela triste situação.  Após uma curta conversa, Pedro descobriu que toda a neve havia derretido devido ao aquecimento global. “Expressão estranha, porém familiar”, pensou Pedro. Os antes imponentes blocos de gelo, agora se reduziam a pequenas superfícies gélidas. O solo que antes sustentava a casa do Noel, agora havia sofrido fusão. Todos os presentes se estragaram ao cair no recente lago. Com isso, Papai Noel se mudou. Estava desempregado. Em busca de um novo centro comercial para se estabelecer. A situação do bom velhinho possuía um agravante: a crise econômica dos EUA. Procurando emprego, Noel esbarrou com alguns de seus funcionários demitidos anteriormente. Tudo decorrente dos prejuízos da crise.
Mesmo diante de tantas adversidades, Pedro não desistiu. O afável finlandês, com o qual conversara, deu a ele o novo endereço do Noel. Pedro, mesmo cansado de toda aquela aventura, seguiu em frente. Após alguns dias de busca, soube que Noel havia sido internado por complicações cardíacas. Tudo decorrente dos maus hábitos alimentares que havia adquirido: como todo homem de negócios, Noel queria tudo muito prático e ágil. Por isso, passou a se alimentar somente de fast foods. Além disso, Noel, não suportando toda a pressão social, passou a utilizar-se das drogas como meio de amenizar seus problemas. Estava com HIV. Noel, após um ataque cardíaco, faleceu no corredor do hospital. Ali, aos pés de Noel, espremido em meio a tantos doentes, Pedro chorava. Da mais triste forma, aquela pequenina criança descobriu o quão era precário o sistema hospitalar público de seu país.
De súbito, Pedro acordou. Olhou em volta e percebeu que tudo havia sido um pesadelo. Sentiu-se aliviado. Porém, Pedro sabia que toda aquela situação, apesar de imaginária, possuía um imenso fundo de realidade.
Pedro nasceu em um país cuja ineficácia administrativa é tão cotidiana que o caos social, antes tido como exceção, tornou-se regra. E o que a população faz diante deste Estado semi-anárquico? Bem, as pessoas, já acostumadas com a inércia, simplesmente se acomodam, tornando-se espectadoras desta triste encenação.


Esperando Papai Noel (Poemas Avulsos)


Este texto foi publicado no Recanto das Letras. Aqui.
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5 comentários :

Gostei do texto e da nova página sobre o autor. Blog crescendo! Estou adorando...

relamente bem crítico o texto,mostranto a realidade do nosso país ,mas tenho q te corrigir em um aspcto Elvis,nemum estado anarquico é tão bagunçado quanto aqui o páis do futbol,samba,carnaval e da impunidade.

Verdade, Caio. Infelizmente, esta é a verdade. =/

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