Um pretenso livro - Capítulo IV

Pedro fora adotado quando ainda era recém-nascido. Seus pais morreram em um acidente de carro. Quase como um milagre ele conseguiu sobreviver à tragédia. Talvez tivesse havido alguma ajuda divina naquele momento. Talvez Pedro tivesse que viver para que as histórias de outras pessoas que ainda nem conhecia pudessem fazer algum sentido.
Luiza tinha uma amiga que trabalhava no orfanato. Seu nome era Clotilde. Luiza queria muito adotar uma criança. Há mais de três anos tentava, sem nenhum êxito, engravidar. Chegou a pegar barriga umas três ou quatro vezes, mas, em todas, houve aborto espontâneo. Nem as mais sofisticadas técnicas de fertilização resolviam o problema. Após muito pensar, decidiu que adotaria uma criança. Não queria aquilo. Possuía certo preconceito quanto à adoção. Porém, o seu desejo de ser mãe era mais forte que tudo. Pediu a Clotilde que lhe informasse sobre a primeira criança que chegasse ao orfanato. Sua principal exigência era que ela fosse recém-nascida.
- Mas ele é negro!
- Desculpe Luiza, mas essa é a única criança recém-nascida que temos aqui no momento. As crianças recém-nascidas brancas não duram muito tempo aqui não. Elas logo são adotadas.
Luiza não fazia questão alguma de esconder sua repulsa por negros. De certa forma, Luiza era apenas o reflexo de seus pais, fazendeiros sulistas que vieram ao Nordeste com o intuito de enriquecer com o plantio de soja. Ela possuía ainda a mentalidade escravista de seus pais. Uma mentalidade que, por mais que queiram aparentar o contrário, mantêm-se, ainda, muito forte no Brasil. É intrínseco ao ser humano excluir de seu círculo social aqueles que não atendem a seus pré-requisitos, a seus ideais de perfeição. Com os negros, isso não seria diferente.
- O quê que você acha, amor, de nós adotarmos uma criança?
- Ah! Pode ser! – Mathias estava tão entretido com seu jogo que mal ouviu o que Luiza havia dito.
- E qual o nome que você acha que devemos dar a ele?
- Vai! Assim não! Poxa! Essa cara parece que nem sabe jogar!
- Mathias! Estou falando com você!
- O quê? Ahn? Ah, Luiza! Depois do jogo a gente conversa.
Luiza sabia que não podia contar com a opinião de seu marido, porém insistia em pedir a ele palpites em tudo que fazia. Pôs, então, na criança o nome do santo ao qual era devota: São Pedro.
Pedro era uma criança comportada. Com o tempo, Luiza aprendeu a amá-lo com um amor incondicional. Tão grande que até seu preconceito fora superado. Pelo menos parcialmente. Pedro era inteligente, tirava boas notas na escola. Todas as professoras elogiavam seu excelente comportamento em sala. Como toda criança que é criada na ostentação e no luxo, tendo tudo que quer a qualquer hora, Pedro tornou-se uma criança extremamente mimada e birrenta.
Quando Pedro tinha seus três anos de idade, descobriu que, muito em breve, ganharia dois irmãozinhos. Luzia estava grávida de gêmeos. Finalmente as técnicas de fertilização haviam dado certo. Estava tão empolgada como nunca esteve em toda sua vida. Luiza, durante sua gestação, fora acometida por inúmeros desejos, todos prontamente atendidos pelos seus empregados. Seu dinheiro tornava todas as suas regalias, por mais bizarras que fossem, possíveis de serem atendidas. 
Mathias oscilava entre momentos de imensa alegria por ser pai e entre outros momentos de sua característica demência. O que o agradava não era o sentimento de ser pai e sim a novidade que aquele evento representava, como uma criança que ganha um brinquedo e após algum tempo o enjoa e joga fora. As crises esporádicas de êxtase de Matias desapareceram completamente quando os gêmeos nasceram. Via-os não como filhos, mas como simples crianças.


Leia o capítulo V (parte 1), aqui.
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