Padrasto versus enteado

Pedro sabia que Félix não é nem nunca seria seu pai. Nem ambos tinham a intenção de sê-lo.  Apenas suportavam a relação não amistosa em respeito ao pupilo em comum: Gal. O carisma contagiante e o sorriso fácil desta sucumbiam qualquer ímpeto animalesco. Os machos sabiam que a luta por aquisição do território seria inoficiosa. Restava, pois, o conter de ânimos.

Félix sequer se esforçava para conquistar a amizade dos filhos. Pedro, por sua vez, não estava disposto a ser domado. Ricardo assistia inerte às lutas romanas entre ambos. Gal agia como juíza conciliadora, ora em diplomacia, ora em liderança. Nem é preciso se utilizar tanto de argumentos quando se tem poder de sedução sobre o sexo oposto.

Os sentimentos de Félix e Pedro eram alimentados por um ciúme infundado e, em arena, disputavam a atenção da fêmea, ou em esforço sobre-humano para agradá-la ou em práticas difamatórias e injuriosas da honra alheia. A testosterona piorava, ainda, a situação, acalorando os dizeres e os atos infantis.

 - Você nunca será meu pai! - gesticulava freneticamente, golpeando o ar. – Você não tem quinhão para me dar ordens!

 - Largue de ser infantil, garoto! – enterrava as duas mãos nos cabelos grisalhos, enquanto rodopiava em fúria. – Se eu estou dizendo que isso é o melhor para você, é porque é! – argumentava. – Não questione. Simplesmente obedeça.

Pedro olhava com ódio, por entre olhos adolescentes, e, sem mais palavras, despencou em fúria pelas escadas, em direção ao seu quarto. Ouvia-se como resposta apenas o baque surdo da porta. Chorava, em silêncio, enterrado no travesseiro, sentindo apenas a umidade das lágrimas e o desejo de desvelar a figura paterna inexistente no padrasto.

Marcos, genitor de Pedro, fora consumido, em passado não tão distante, pelo labirinto do crack. Vendera bens móveis de valor inestimável para satisfazer seus vícios, até que, esgotando-se todos os bens corpóreos, tivera de alienar sua própria dignidade, para o mundo dos ilícitos penais.

Ricardo, em idade adulta, compreendia, ou ao menos tentava, a complexidade da relação ascendente-descendente, e, por isso, mantinha-se distante de todo aquele caos, abstendo-se de qualquer relação parcial para com o padrasto. Sentia pena da genitora e sabia que, por mais que o irmão não entendesse, a relação com Félix ajudava a cicatrizar as feridas, ainda abertas, da relação antecedente. Ansiava, apenas, um lugar próprio, que o mantivesse distante e imaculado daquela situação, no mínimo, conflituosa.

Antes de julgar um ou outro, leitor, saiba que Félix jamais fora pai e Pedro, filho. Este nunca tivera, pois, a oportunidade, por próprio desleixo do genitor, de conviver uma verdadeira relação patriarcal. Ambos, no fundo, desejavam um ambiente pacífico. A insegurança e a inexperiência dos desafetos não o permitiam, no entanto. Amavam, com todas as forças, a descontraída Gal, e deveriam fazer deste sentimento a bandeira branca da Guerra Fria.  Sabiam que Félix não substituiria Marcos, por mais que Gal desempenhasse funções várias, dignas de heroínas da Marvel. Félix e Pedro buscavam, apenas, aquilo que não fora preenchido por mero descaso ou trapaceio do destino: uma honesta relação pai/filho.

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