Bullying fail

A INVEJA #2
Tão incrível e sutil,
Teu doce jeito matreiro.
Te beijei, tudo sumiu.
Inclusive meu dinheiro.

Aviso-te, leitor, que qualquer semelhança entre o que aqui discorro e a sua realidade não são mera coincidência.
Flávio nunca fora um arquétipo de beleza física. Dentre inúmeras desarmonias (eram imensuráveis, sim, em sua cabeça), o excesso de peso e a escassez de estatura eram os alvos prediletos do escárnio alheio. A notoriedade de sua presença não era tão intensa quanto acreditava, no entanto; a timidez o tornava simplesmente neutro, quase imperceptível, diante dos olhares inquisidores.
As espinhas e os óculos no rosto e o sorriso metálico, estampando-no o estereótipo de nerd, no sentido mais depreciativo do termo, aliados à sua inabilidade de trato com as garotas, reduziam sua auto-estima à níveis negativos. Como posso ter dezesseis anos e ainda não ter perdido meu BV?, pressionava-se. Todos os garotos de sua idade pareciam-lhe muito descolados, e isso fomentava em seu ego uma solução salina de inveja e raiva. Em revolta típica dos alvoroços da adolescência, indagava-se, dentro outros questionamentos absurdos, por que nascera daquele jeito. Odiava tudo e todos o odiavam. Ninguém o compreendia. Coitado, mal sabia que sua presença era tão irrisória que o máximo que poderiam dispensar-lhe seria desprezo ou, em sendo bondosa a alma, pena.
E, então, em meio ao caos, aquilo que lhe era impossível, aconteceu: uma garota, acredito que em insana consciência, interessou-se pelo patinho feio. Aviso, desde já, querida leitora, que não almejo findar este conto com uma piegas tese de “o amor supera tudo”. Poupe-me destas náuseas, por favor. Prossigo: ao retornar do intervalo de aulas, Flávio contemplou um papel dobrado, e lacrado com um adesivo de coraçãozinho, que repousava sobre sua mesa. Entre suores e tremores, leu o bilhete, que aqui transcrevo sem as difamações à Gramática:

Encontre-me depois da aula, próximo ao bebedouro do segundo andar.
Beijos,
J.

Juliana... ou, quem sabe, Jasmim?, e não mais se ateve às aulas seguintes, questionando-se sobre qual nome estaria à altura da nobreza daquela dama.
Quando, finalmente, o trim ensurdecedor preenchera a sala, denunciando o término do dia letivo, Flávio impulsionou-se à porta. Ou melhor, o quis. As pernas não respondiam. Respirou profundamente, e, após alguns minutos, ao sentir que não mais cambaleava, dirigiu-se à saída. Dois pés, porém, bloqueavam a porta. Ergueu a cabeça, contemplando o obstáculo.
 - Oi, Flávio, disse, corada, a voz estranha. Não suportei a ansiedade da espera e vim ao seu encontro, pondo o cabelo por trás das orelhas e abaixando a cabeça, enrubesceu ainda mais.
Flávio manteve-se estático diante daquela silhueta. As palavras prendiam-se ao seu palato. Com imenso esforço, balbuciou algo sobre estar namorando e que precisava apressar-se para não perder o ônibus.
Ao virar o corredor, correu. Simplesmente, correu. Não conseguia acreditar como pudera despertar o interesse de um... de um homem! E não mais invejou, ou odiou, o mundo. Pelo contrário, considerava-se, agora, um imenso sortudo por ter pernas saudáveis.

# Sugestão de links:
1) Reportagem bem didática da Revista Escola, acerca do bullying, aqui.
2) Reportagem bastante completa do Folha UOL, que aborda estatísticas do bullying no Brasil, aqui.

# Sugestão de vídeo:
1) Bullying fail

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2 comentários :

A aparência física mais importa ao dono do que ao observador externo que muitas vezes a observa tão superficialmente que sequer enxerga as sutilezas e as belezas inerentes a aparência humana, seja ela como for. Mas quando esse observador consegue ver tais qualidades se torna um admirador destas. Alguns podem dizer "Quem ama o feio bonito lhe parece" Mas quem é feio? Quem é bonito? E quem foi que disse?

Nossa, que reflexão profunda, Lucas! A beleza, não só a física, é extremamente subjetiva. Os padrões pré-estabelecidos como ideais é que, muitas vezes, provocam esses conflitos psíquicos.
Obrigado pelo comentário.

Abraços!

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