Apaixone-se - parte III

Relatarei, aqui, caro leitor, histórias baseadas em fatos reais, sobre paixões vividas por pessoas comuns, que não conseguem se entregar menos que integralmente ao ser amado. Paixões que se prolatam pelo tempo com a mesma destruição e imprevisibilidade de uma tempestade de inverno.

Os pequenos contos serão expostos em primeira pessoa, de modo a dar mais realidade ao depoimento e a facilitar o acesso ao seu coração, meu leitor, através de seus olhos.


A cada texto deste sequencial será atribuída uma trilha sonora conexa ao mesmo, para ser ouvida (e sentida)  por você, durante o processo de leitura. Essa experiência possibilitará uma mistura inigualável de sensações, aguçando seus sentidos mais íntimos!

Deguste este conto ao som de AMY WINEHOUSE - YOU KNOW I'M NO GOOD.





“Desde que Henrique voltou daquele congresso em Ouro Preto, ele tem apresentado alguns comportamentos bem, digamos, excêntricos”, refletia. Já era a terceira vez que ele se negava a transar comigo. “Logo o Henrique, que, de tão desesperado, costuma ejacular após dez minutos de transa”, complementei a linha de raciocínio. Após outras poucas indagações e cogitações de hipóteses surreais e mirabolantes, decidi colher a prova pessoalmente: “vou instalar um programa espião em seu laptop”. Sim, leitor, eu desconfiava que ele estava me traindo com uma vagabunda mineira qualquer.

O resultado foi catastrófico: encontrei centenas de mensagens trocadas entre ambos, tanto por e-mail, quanto pelo mensageiro instantâneo. Meu instinto nunca falha – todas eram datadas em período imediatamente posterior ao dito congresso.

No outro dia, ao acordar, estava completamente desfigurada (meus olhos pareciam dois tomates, muito grandes e vermelhos, e as bochechas de meu rosto estavam pálidas, como a cor de neve), resultado de horas de lágrimas derramadas e de lamentos silenciosos.

Bem, se você pensa que fui desesperada ao encontro de Henrique, dar-lhe um tapa no rosto ou incendiar seu automóvel, você está bem enganado, caro leitor. Sou escorpiana: fria e calculista. Decidi ver até que ponto ele conseguiria levar todo aquele circo.

Os dias foram se arrastando, os piores de minha vida, até então. A cada adjetivo carinhoso que Henrique a mim destinava, dava-me um arrepio na espinha, e desejava para ele uma morte lenta e dolorosa. Sim, você não sabe do que uma mulher ciumenta e traída é capaz, meu caro.

Suportei até o dia em que, enquanto olhava os dados coletados no programa espião, em uma madrugada qualquer, referentes aos acessos da semana corrente, visualizei algo jamais cogitado por mim, sequer em meus piores pesadelos: a vadia mineira, na verdade, era um homem. A tela do laptop fora preenchida por um pênis grotesco e nojento, e meu coração, pela chama de um ódio incandescente e fervoroso.

 - Seu IMUNDO! – o laptop se despedaçou em dois, ao colidir com sua cabeça, que, automaticamente, despontou uma leve lesão.

- Mas o quê? – Henrique se levantou de sobressalto da cama, ainda atordoado com os sonhos maravilhosos com seu parceiro homoafetivo, certamente.

 - Como você é capaz de me trair? E com outro HOMEM! – estava completamente fora de mim. Sentia o salgado das lágrimas em meus lábios e o suor percorrendo, em excesso, cada centímetro do meu corpo.

Bem, ele tentou desenhar algumas explicações sem nexo, tentando-me convencer de que aquilo não passara de uma aventura. Contou-me que, durante uma festa da república em que ficou hospedado em Ouro Preto, embriagou-se completamente e, em um piscar de olhos, viu-se dentro de um quarto, com seu pênis dentro do ânus de outro homem.

Cada palavra daquele enredo era como um soco em meu rosto. Cinco longos anos dedicados a uma única pessoa – todos jogados no lixo, um a um.

Como que enviada do além, uma mensagem invadiu meu cérebro:

 - Por favor, Henrique, seja sincero comigo pelo menos desta vez e me responda: vocês usaram camisinha?

Ele coçou a cabeça com o indicador esquerdo, como que reproduzindo a feição de uma criança que aprontara uma traquina, e soltou:

 - Não.

Meu mundo caiu.

Bem, hoje, eu convivo com o vírus da AIDS há 3 anos. À exceção de alguns enjoos matinais e diarreias repentinas, decorrentes do coquetel diário, vivo perfeitamente bem. Namoro um cara maravilhoso e que me trata com todo o carinho que mereço.

Você deve estar se perguntando o que me levou a escrever esse texto, não? Respondo: ontem, eu recebi um e-mail de um remetente anônimo. Não possuo o hábito de abrir correspondências de desconhecidos, mas a curiosidade gritou mais alto. Em anexo, havia uma imagem de um comprovante de doação de sangue, em que constava uma observação, em letras capitulares e em negrito:

HIV – POSITIVO

Logo imaginei que aquilo tinha sido um engano ou, então, alguma brincadeira de muito mal gosto de algum insensato. Tudo se esclareceu quando, ao fechar a janela, visualizei a seguinte mensagem:

Me desculpe. Saiba que eu também fui vítima do Henrique.
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