Apaixone-se! - parte I

Relatarei, aqui, caro leitor, histórias baseadas em fatos reais, sobre paixões vividas por pessoas comuns, que não conseguem se entregar menos que integralmente ao ser amado. Paixões que se prolatam pelo tempo com a mesma destruição e imprevisibilidade de uma tempestade de inverno.

Os pequenos contos serão expostos em primeira pessoa, de modo a dar mais realidade ao depoimento e a facilitar o acesso ao seu coração, meu leitor, através de seus olhos.


A cada texto deste sequencial será atribuída uma trilha sonora conexa ao mesmo, sob a curadoria do jornalista Rayldo Pereira, para ser ouvida (e sentida)  por você, durante o processo de leitura. Essa experiência possibilitará uma mistura inigualável de sensações, aguçando seus sentidos mais íntimos!

Deguste este conto ao som de TOVE LO - HABITS.



CONTO UM

Este texto contém linguagem inapropriada para menores de dezoito anos.

As luzes eram escassas e o barulho, excessivo. Dançava ao ritmo de uma música qualquer, que, naquele momento, escolhi como minha canção predileta. O suor respingava de meu rosto e se mesclava às sombras da multidão. Queria mais que o mundo explodisse e que, com ele, fossem consumidas todas as cinzas em que meu coração fora transformado. Os sussurros de nossa discussão ao telefone, os gritos de minha mãe no cômodo ao lado, o latido do cachorro do vizinho: tudo se misturava e tentava, com sucesso, sobrepor-se ao grito de meus pensamentos, que clamavam por uma trégua.

 - Jamais me relacionarei com nenhum outro homem em minha vida. JAMAIS! Dormirei gay e acordarei hétero. Sim! – Delirava, entorpecido pela bebida alcóolica, que já atingira meu sistema nervoso central, juntamente com as substâncias químicas da maconha.

A música, repentinamente, parou. As sombras, insignificantes em seu macabro ritual de acasalamento, abriram um corredor, que ligava minha deplorável imagem à de uma silhueta surreal. Ele se aproximou, como que flutuasse, tranquila e sorrateiramente, sobre o solo da discoteca. Apenas conseguia balbuciar palavras sem nexo e desprovidas de significado, resumindo-me a uma figura patética. Estava estático. Quando percebi, ele pegava em meu instrumento, já ereto, enquanto beijava por inteiro meu pescoço, sussurrando, intercaladamente, palavras sujas em meu ouvido.

Abri os olhos: estávamos nus em um quarto de motel. Lembro-me, com clareza, de seu gigantesco instrumento me penetrando com um vigor inigualável, como que tentando compactar em minhas entranhas toda aquela dor de um relacionamento fracassado. Transamos por uma, duas ou três horas. A definição de tempo já não me pertencia. Apenas queria me deleitar nas curvas impecáveis daquele homem, que me mordia e beijava como se fosse o objeto de maior desejo de sua inteira vida.

Acordei com um batido seco na porta do quarto, provocado por alguém que esbravejava algo que beirava a insanidade. Era minha mãe. Levantei-me, com uma leve lembrança do que ocorrera na noite anterior, e com a presunção, quase que absoluta, de que a silhueta na discoteca não passara de um simples sonho.

- O que houve com você? – questionou minha mãe, com uma nítida feição de espanto. – Seu pescoço está cheio de marcas roxas! – pôs as duas mãos no rosto. – Você apanhou de alguém? – Ela acreditava que, por ser gay, apanhar na rua era algo corriqueiro (e comum).

Mal conseguia ordenar os pensamentos. Os sentidos ainda me falhavam. No entanto, ao me ver encurralado naquela situação vexatória, removi e expeli, da parte de meu cérebro que não fora consumida pelo exagero, a seguinte resposta:

 - Foi uma reação alérgica ao Puro Voodoo, mãe: o mesmo perfume da Rochelle, de Todo Mundo Odeia o Chris.

Dez longos segundos de silêncio e, finalmente, ela se deleitou em uma longa e oblíqua gargalhada. Tentei acompanhá-la, com insucesso: uma dor intensa no reto me consumia por dentro, como se todos os meus órgãos internos tivessem sido dilacerados.
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