O manequim gay

A estória que se segue se passa em um mundo paralelo, em um tempo indefinido, composta de personagens e ações sutilmente distintas daquelas que você, leitor, está acostumado a presenciar em seu cotidiano preto-e-branco.

Pedro, todos os dias, pontualmente, acorda às 06h30 da manhã. Nem um segundo a mais, nem um segundo a menos. Levanta-se, olha-se no espelho, desenha em sua cabeça pensamentos depreciativos sobre sua aparência física, toma um banho, veste-se, prepara um café da manhã leve e sai para uma corrida. Põe seus fones e ouve músicas no modo aleatório: não importa o timbre do cantor ou a harmonia da composição, apenas o barulho que invade e preenche seus ouvidos.

Corre rumo ao horizonte, cada vez mais veloz, em ritmo galopante, com seus cabelos negros ao vento, revestidos por uma aurora tímida amarelada, que o torna despretensiosamente atraente. Imerge-se em reflexões fúteis a respeito de tudo e de todos que o rodeiam. Acredita que poderia ser mais próximo de seu irmão mais novo e que sua mãe deveria ser menos ranzinza. Implora ao destino para que consiga um emprego melhor com um salário razoável, no qual possa exercer funções típicas de sua área de formação. Pensa na brevidade da vida e na fugacidade das relações humanas. Reflete, ao fim, e conclui consigo mesmo que as coisas deveriam ser eternas enquanto durassem.

Freia seus pés, que já se movimentavam de forma involuntária, e para em frente à vitrine de uma loja, que, por ser um dia qualquer, estampava um garrafal FECHADO em sua porta. Viu-se contemplando, como sempre fazia, um casal de manequins que se beijava apaixonadamente. Um dos homens inclinava o outro, tal qual uma dança de Grease, enquanto dispersava na boca deste todo o amor que poderia caber em um ser humano (vide primeiro parágrafo). Vestiam-se com o mais brega paletó já costurado, condizente com a cena melosamente bizarra ali presenciada.

Por alguns minutos, Pedro permaneceu estático, de olhos vidrados e coração pulsante, contemplando aquela imagem quase santa. A mais estúpida e descabida inveja daquele amor imaculado crescia no íntimo de seu ser. Como ele queria encontrar um homem que o amasse com aquela intensidade e que o envolvesse daquela forma em seus braços. Como desejava ter a imparcialidade e sensatez sentimentais que se estampavam nos rostos daqueles manequins, tornando-os imunes a toda decepção e desilusão que os tentassem infligir.

Com um suspiro profundo, acordou e retornou ao seu status quo ante, e se permitiu uma gorda e oblíqua gargalhada. Como você é estúpido, Pedro! Se você quer receber, com plenitude, todo o amor a outro ser dispensado, sem esboçar qualquer sofrimento, relacione-se com um cachorro. Olhou para o sol, que já dispersava a neblina com seu calor, e retornou para sua rotina preto-e-branco, com leves tons de amarelo.
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