A chave da pobreza e da miséria

A PREGUIÇA #1

ESGUEIRAVA-SE, viscoso e úmido, pelos cantos do casebre. A chuva salpicava o telhado, aumentando o diâmetro das já existentes goteiras e criando outras. A estrutura de pau-a-pique cambaleava ao ritmo da ventania. Nem as intempéries da natureza, no entanto, eram capazes de despertar a demência de João Francisco.
- Menino, vai ajudá tua mãe! Num tá veno que ela tá pra se acabá aí, colocando as tigela pra apará a água? – gritava José das Chagas, enquanto esfregava gravetos na lenha, em tentativa vã de acender o forno.
Preguiça (Poemas Avulsos)- Aaaah, pai! – estirou-se no colchão, que, apesar de encharcado, não parecia incomodá-lo. – Cadê a Tonha e o Pedim? Eles faz isso mió que eu! – riu-se, em uma risadinha preguiçosamente debochada.
- Que minino teimoso! Tá veno, Joaquina? – virou-se para a esposa. – Isso é culpa tua! Que, quando eu queria dá umas chinelada nesse muleque, tu acobertava ele! Não, não bate no pobrezim. – disse, afinando a voz. – Agora, tá aí, tudo que a gente manda ele fazê, ele vem com essa desculpa esfarrapada! – suspirou. – Agora, que ele já tá hômi, nem adianta mais! – a raiva transparecia em seu timbre.
Joaquina respondeu com um largo e cansado suspiro, esbaforida com toda aquela correria das goteiras.
- Tonha e Pedim se descabelano na roça e esse minino aí, estirado na cama, o dia todim que Deus dá, sem mexê nem uma paia sequé. E, agora, eles tão lá fora, nessa torrente. – olhou para cima, fez um sinal da cruz e levantou as mãos. – Que Nossa Senhora proteja meus fi.
Virou-se para Francisco e concluiu:
- Olha, seu mosca-morta, a preguiça é a chave da pobreza e da miséria. – praguejou o secular ditado.
Francisco, caçula de doze irmãos, sempre fora coberto de muitos mimos. A diferença de idade entre ele e o segundo mais novo era de oito anos. Joaquina, em seus quarenta e três, nem acreditava que teria mais filhos. Fora uma gravidez complicadíssima. Lembrava, com nitidez de fato recente, que quase veio à óbito no parto. O sangue jorrava de seu corpo. Acreditava que só se manteve viva por um milagre divino, e que Francisco era a prova viva da graça. Talvez seja esse o motivo para Joaquina ser tão apegada ao caçula, leitor. Senão o único, ao menos o principal. A predileção era notória, apesar da constante negativa.
Maria Antonieta e Pedro Silva, ao contrário de nosso Macunaíma, persistiram. Diariamente, iam à escola, enfrentando, ainda de madrugada, a longa e lamacenta jornada de 10km, que os separavam. Dividiam o tempo entre a roça e os estudos. Por vezes, de tão exaustos, dormiam sobre os livros. Após alguns longos anos de adversidades, concluíram o ensino fundamental, um histórico feito, em uma família de analfabetos. E, então, foram à capital, em busca de melhores oportunidades, e por lá ficaram.
Hoje, Antonieta é dona de uma lojinha de costuras e Pedro, mestre de obras. Por que não se tornaram grandes e bem-sucedidos empresários? Bem, leitor, há um grande vão entre a vida real e a novela do Manoel Carlos. As oportunidades são exíguas aos menos afortunados.
E o que foi feito de nosso homem-preguiça? Digo-vos: após o falecimento dos pais, pouco se sabe sobre seu paradeiro. Diz-se que ele seguiu a vida na capital. Por lá, uns dizem que ele vaga a esmo pela cidade, pedindo esmolas e cometendo pequenos delitos; outros, que foi morto por algum vendedor de crack. É, leitor, conforme prevera o genitor, Francisco encontrou a fechadura de encaixe perfeito.


# Sugestão de link:
1) Saiba mais sobre a Preguiça, aqui.
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