Pés Cansados

Pedro sempre foi uma criança peralta. Brincava freneticamente nas poças d’água do parquinho, esmagava as formigas em um ritual masoquista e se lambuzava inteiro com as oito bolas de sorvete vendidas por um real e entregues em domicílio. Tinha medo das aberrações que protagonizavam as lendas urbanas, relatadas minuciosamente pela sua vó. Escondia-se debaixo da barra da saia de sua mãe quando as visitas adentravam sua casa. Juntava por meses moedinhas de dez ou quinze centavos para comprar os brinquedos em voga, que podiam ser encontrados de brinde em um petisco qualquer. Sonhava em encontrar a Terra do Nunca e manter-se para sempre pueril.

Cresceu. Passou pela fase da rebeldia e apresentou cada uma das peculiaridades típicas da idade. Fumou maconha, embriagou-se em diversas noitadas e fez, inclusive, uma tatuagem de caveira no braço direito. Aventurou-se em uma banda de rock cujo nome era de uma bizarrice indizível. Nada cantava, apenas desafinava. Mas conseguia seduzir muito bem os garotinhos de sua idade com uns solos de guitarra. Sim, Pedro tinha um quê de charme debaixo daqueles olhos muito esverdeados e cabelo desalinhado.

Amadureceu. Concluiu sua graduação. Finalizou seu doutorado. Sempre quis ser professor, a despeito das críticas ferrenhas de seus familiares e amigos. Não os culpe, caro leitor: ser docente no Brasil é uma tarefa árdua e quase nunca valorizada. Era muito bom no que fazia. Dava aula de Direito Penal na Universidade de São Paulo, um dos cursos mais cobiçados do país. Nem tudo era flores. Vivia um relacionamento fracassado. As brigas com seu marido eram constantes e quase sempre derivadas da mesma fonte. Tinham um casal de filhos: Henrique e Marina, ainda em tenra idade. Os pequenos sofriam tanto quanto os pais no meio das ofensas verbais travadas. Questionava-se se um dia encontraria a paz em seu verdadeiro amor.

Conheceu um cara. Chamá-lo-emos apenas de João. João era dez anos mais novo, mais bonito e mais desajuizado. Era um daqueles tipos de cara cobiçados na praça tal qual produto em liquidação de Natal. De posse de um rosto simétrico e de uma voz envolvente, João seduziu Pedro e o convenceu a se divorciar de seu marido. Fê-lo tudo como previsto, apesar do ataque de histeria deste ao receber o infortúnio. Não, Pedro não contraiu AIDS, não traumatizou seus filhos e não se suicidou. Essa estória não se trata de mais um clichê homoafetivo.

Envelheceu. Separou-se de João, que o substituiu por outro cara vinte anos mais novo. Aposentou-se. Hoje vive muitíssimo bem, ao lado de uma vasta biblioteca e de seus filhos, que o visitam regularmente. Por que só agora Pedro percebeu que, ao contrário da canção, é possível sim ser feliz sozinho? Bastava o amor de seus filhos e nada mais.
Pin It now!

0 comentários :

Postar um comentário

Gostou? Então, assine nosso Feed RSS!

Poemas Avulsos


Todos os direitos reservados © Poemas Avulsos | Política de Privacidade